quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Sendo já meus textos em prosa um tanto quanto ingênuos e imaturos (o que eu poderia esperar? enfim, não tenho nenhum comprimisso estético com a literatura, não vejo, portanto, como as palavras escritas por mim possam incomodar alguém), imagine-se o que sucederia, então, se eu me pusesse a escrever poesia, arte aparentemente mais fácil, mas, pelo que tenho observado, de caminhos muito mais complexos e obscuros. O texto que segue é de quem foi mestre no assunto. Acredito ser a mais completa definição poética da poesia.


Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sobre deus

Foi apenas uma idéia que me ocorreu e achei que era bom escrevê-la. Veja, deus não está muito claro ainda para mim; pode-se dizer que sou ateu, mas sempre é preciso pensar em religião, principalmente por ser tão pertinente em todos os momentos da história (não só a católica, obviamente).
Deus, diz-se, deu o livre arbítrio ao homem. Ouvi de um padre, inclusive, que deus perdeu sua onipotência ao fazê-lo. Se, além disso, como deus criou tudo, ele sabe tudo, inclusive o futuro, até o último dia, a última hora do minúsulo planeta a que chamamos Terra, é de se esperar, também, que deus não só saiba tudo como não exerça interferência nenhuma sobre nossas vidas. Fazê-lo seria uma ruptura de princípios pré-definidos pelo próprio deus (excetuando-se, por suposto, os mártires, os santos mortificados carnalmente e os milagres dos quais existem irrefutáveis provas). Agora, resta uma questão: deus, antes de criar a Terra, sabia que iria criá-la e sabia tudo o que ocorreria depois de criá-la (nós, pobres seres humanos não devemos compreender os misteriosos desígnios divinos); assim, foi a vontade divina que criou o homem ou deus não pôde escolher, sendo seu poder apenas observar os acontecimentos sem dar opinião sobre eles?

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Deve ser tempo, então, de contar outra história, essa mais triste ainda foi para mim do que a da mulher espancada. Imagino que tenha sido essa uma das primeiras a me fazer tirar a fatal conclusão mencionada anteriormente.
Minha mãe a contou para mim, depois de a ouvir do meu tio a uns 15 anos atrás.
Mas agora, que preciso começar, as palavras me fogem, pois não sei se devo dizer primeiro que o menino era quase um bebê, tinha uns três anos, ou que a causa disso tudo foi ter ele riscado todo o carro de seu pai com a chave, como só a inocência de uma criança poderia fazê-lo sem culpa, ou mesmo ainda dizendo que era uma tarde de um dia qualquer e que imagino a cena em minha própria garagem, mesmo sendo mentira, porque é muito difícil, ao mínimo sinal da imagem do pai batendo tanto, mas tanto, na mão do filho, que não podia saber o que tinha feito, as lágrimas começam a marejar meus olhos, e mesmo assim não posso chorar, o que quer que seja que sou eu e que não tem nome dentro de mim é que se carpe. O início afinal saiu, e não tenho escolha se não dizer que o estado da mão do menino deve ter ficado muito feio, já que seu pai, seu pai mesmo, o teve que levar ao hospital, onde lhe amputaram a mão, agora sim, com o pai compungido de tristeza, sem mais fazer que chorar e ouvir seu filho, seu filho, dizer que não fique assim papai, minha mãozinha cresce que nem meu cabelo depois de cortar, e quão surpresos devemos ficar ao saber que o pai se matou ao chegar em casa.
Confesso que são histórias excessivamente dramáticas, mas não tão raras como paressem, exemplos que são dos momentos de alienação, da perda do controle do homem sobre sobre si mesmo, um instante apenas e um egoísmo explosivo desaba a vida de pessoas tão inocentes quanto podem ser, sempre culpadas por tudo.
Escrevi o texto como remédio também, e por ter lembrado do Burrinho Pedrês: "Quanto exagero que há..." Me pergunto porque não posso só sentar à beira de um rio. Pôr meus pés na agua fria se eu quiser, deitado à sombra de qualquer árvore e sem pensar em nada. Só estar ao pé do rio.
Também isso não é um trabalho de escravo, e eu aqui a perder meu tempo para decidir o que escrever, tentando lembrar algo de hoje de manhã que me chamou atenção. Penso que era sobre a consciência, a nossa e a de todos, mas já não poderei escrever; talvez me venha idéia outro dia, brotando do inconsciente, como uma fonte, e eu vá a fonte com minhas mãos em concha, porque assim é, e de todo o manancial talvez algo se salve. Hoje, não. Hoje perdeu-se tudo (não se perdeu, está lá guardado, transformando-se).
Hoje ainda estou sob o deslumbramento do Sertão, "o sertão místico disparando no exílio da linguagem comum":
"E veja: eu vinha tanto tempo me relutando, contra o querer gostar de Diadorim mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar; e, agora aquela hora, eu não apurava vergonha de se me entender um ciúme amargoso. Sendo sabendo que Medeiro Vaz depunha em Diadorim uma confiança muito maior do que em nós outros todos, de formas que com ele externava os assuntos. Essa diferença de regra agora me turvava? Mas Medeiro Vaz era homem de outras idades, andava por este mundo com mão leal, não variava nunca, não fraquejava. Eu sabia que ele, a bem dizer, só guardava na memória de um amigo: Joca Ramiro tinha sido a admiração grave da vida dele: Deus no Céu e Joca Ramiro na outra banda do Rio. Tudo o justo. Mas ciúme é mais custoso de sopitar que o amor. Coração da gente - o escuro, escuros."
Grande Sertão: Veredas

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Há algum tempo, em virtude de certos casos ocorridos comigo, veio-me um pensamento muito simples, claro, e que, depois da angústia de tê-los vivido, transformou-se em verdade exata, quase premonitória, além de extremamente lúcida: a humanidade não vale o que se lhe paga. Um dos últimos foi muito pessoal, e pode ser que quem o saiba me diga que dou muita importância a ocorrências inócuas, uma maior presença de espírito e nem haveria de dar-lhe confiança tão grande. Dei-a, contudo, e foi o caso que uma vez, passando ao lado do teatro de minha cidade, tentei ver por uma porta lateral o que ocorria lá dentro, que tanta música e agitação de lá se percebia. Apareceram dois meninos, eram de fato, não passavam dos 16 anos, e começaram, de dentro do teatro, a perguntar-me que é que eu estaria olhando, que fosse embora, vacilão. Um deles segurava uma bola de basquete. Pode ser que tenha sido um caso menor, mas que não diminuiu de maneira nenhuma meu sentimento de completa ausência desse mundo, como se fosse incapaz de atingir as pessoas, porque elas mesmas não querem ser atingidas, se só repelem.
Hoje, sabendo de outra dessas histórias, uma agitação tremente, uma explosão de raiva remitida em mim fez com que por um momento perdesse o sentido das coisas ao meu redor. Uma mulher, pelos vinte anos, foi espancada pela ex de seu namorado e mais duas amigas, isso na quinta-feira, no domingo, hoje, essa mulher morreu. Contusão pulmonar; o sangue entrando em cada alvéolo, desmanchando o equilíbrio das trocas gasosas, a morte lentamente cada vez mais próxima. Deixou um filho de dois anos. Que não o tivesse deixado, que as tivesse provocado antes, o que até onde sei não ocorreu, não posso entender, não posso perceber a lógica, a razão, o motivo, o que leva três mulheres, num ato de extrema covardia, a espancarem outra, e seu namorado vendo tudo, e por não conseguir apartá-las, fugir, pois essa é a palavra, deixando-a como um animal, sem nem se preocupar em chamar a polícia, um amigo, qualquer pessoa, para ajudá-lo; imagino se o desespero que sinto em imaginá-la ser linchada do modo que foi foi o mesmo que acometeu o namorado, se menor, se não o houve de todo.
Alguns irão me lembrar das epidemias, de fome, de aids, na Áfrcia, da selvageria do capitalismo que causa estes e outros problemas à população pobre, a pobreza em si, tudo, toda a podridão do mundo, e,mesmo assim, não seria capaz de considerar este como um crime menor; mais um, pois mais um tem de se tornar, em face da já anunciada cegueira de que o homem está a sofrer desde que percebeu que podia poder e que nunhum deus o subjugaria por ter subjugado o seu semelhante.
Digam lá se aquela minha primeira idéia, a princípio tão pessimista, não possui fundamentos.

sábado, 22 de novembro de 2008

Sem remorsos e sem causas. Só o leve pulsar da palavra, da letra articulada, lida lentamente, do texto deglutido às luzes cerebrais, que às vezes devem existir algumas e que tanto as temos de prezar. Disseram uma vez que a palavra é fato e que não trai. Discordei na época, mas agora não sei. As palavras estão aí, de modo que qualquer um pode usá-las, ao seu proveito (talvez isso que tenha pensado àquela época); mas talvez os seus significados mais sutis, aliados à escolha das diversas maneiras de arranjá-las, mesmo rude e inconscientemente, deixem escapar, senão exibir, o sentido a que foram propostas, ou a intensão de quem as escreveu. Pode ser, ainda tenho minhas dúvidas, mas o certo é que, na hora de lidar com elas, por mais labirínticas que sejam suas possibilidades, por mais difícil que seja a lapidação textual, que nada mais é que a escolha precisa dos vocábulos e sua colocação exata, as palavras continuam aí, ao nosso dispor, e se não conseguimos expressar tudo, pois algo de indizível há ainda, alguma coisa, ínfima que seja, deve poder se dizer, dizer, veja-se bem, tanto que as palavras enxugarão algumas lágrimas que porventura não caíram.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sem remorsos por não ter de ficar muito preocupado com o que pessoas conhecidas poderiam dizer. Não sei que idéia me veio a cabeça para escrever um blog além dessa; nem sei se haverá gente que o leia, nem sei o que escrever.
Uma vez propuz-me um diário, para todos os dias escrever alguma coisa, qualquer coisa. Não funcionou, escrevo nele ocasionalmente. Talvez o blog venha a dar frutos, talvez não; mas já mesmo me estou achando árido e vazio e me pergunto quem poderá ter a curiosidade em saber de minúcias tão particulares.
Os leitores, se os houver, terão de perdoar todos os erros gramaticais. Não sou escritor, não é minha obrigação um texto totalmente limpo de errôneas colocações pronominais, acentos a faltar, a sobrar, regências trocadas enfim; se algo passar despercebido, minhas desculpas.
Hoje não estou com muita vontade de escrever. Fique por isso então o início.